terça-feira, 29 de janeiro de 2008

O MUNDO É PLANO

Uma história breve do século XXI

Thomas L. Fridman

Recensão de Ramalho dos Santos


Quando Bill Clinton foi eleito Presidente dos EUA, em 1992, praticamente ninguém, fora do governo e da Academia, tinha e-mail.

Não é esta observação do autor que o transporta e estimula na procura das respostas ao que de novo este mundo representa e como se transformou, e quais as forças que impulsionaram a transformação.

Retrospectivamente viaja pela história encontrando os marcos da mudança, caracteriza a Globalização 1.0, com a descoberta do novo mundo, até perto do início do século XIX, é o tempo dos países e das religiões. Desta última data até ao ano 2000, situa a Globalização 2.0, ou seja, o período da concentração e das multinacionais.

A revolução industrial criou o ambiente dos transportes a baixo custo na primeira fase, assim como a segunda fase foi marcada pelas comunicações que culminaram na world wide web.

A Globalização 3.0 está a encolher o mundo do tamanho pequeno para um tamanho reduzido, e simultaneamente, a tornar plano o “terreno do jogo”.

A característica fundamental da sua análise desta nova fase é a possibilidade inovadora de serem os indivíduos a colaborarem e competirem globalmente. Nesta nova fase da Globalização os conceitos e termos chave são, por ordem de importância: outsourcing, call center, e-mail, software, briefing, mas offshoring ou seja a deslocalização é um debate que está perigosamente na ordem do dia e nas agendas políticas de todos os governos nacionais.

Em todas as épocas as pessoas “foram apanhadas pelo enredo da história” e é mais que evidente que é necessário uma rede de segurança social adequada. É a consequência de que o trabalho tem que ser feito onde fôr mais eficaz e eficiente, uma inevitabilidade levada ao extremo.

As pessoas, como as empresas, devem lidar com o seu próprio destino económico, tal como no passado os nossos pais e avós o fizeram com as fábricas de têxteis, de moagens e de calçado.

Bangalore na Índia, Dalian na China ou Banguecoque na Tailândia, são realidades vivas de um mundo novo. As suas gentes com capacidades de trabalho, competência e dedicação inimagináveis num ocidental, aprendem, além das especialidades técnicas, o inglês com pronúncia americana, canadiana ou mesmo o “british” mais selecto, mas também chineses aprendem japonês ou coreano como língua de trabalho.

As certezas e a determinação de um mundo novo encontrou o autor nas palavras de um dirigente chinês: “para superar dificuldades ou contrariedades de uma vida muito dura foi necessária muita ambição, ás gerações de hoje é-lhes exigido o mesmo espírito de sacrifício”.

Como corolário de ciência económica afirmou “um lugar que tiver os recursos humanos mais ricos e a mão-de-obra mais barata, será a escolha natural das empresas e do mundo dos negócios”.

Um outro mundo está em plena transformação mesmo dentro das sociedades ocidentais, Homesourcing ou outsourcing não são estratégias concorrentes, são manifestações da mesma realidade, sourcing (recrutamento noutras fontes).

A Globalização “descreve a mudança da relação entre governos e as multinacionais”, afirmou o antigo responsável do Departamento de Estado do Comércio durante a Administração Clinton, mas não só, é também uma forma de modelos sociais, políticos e empresariais completamente novos.

A questão fundamental é “o que sucede se a entidade política do país onde reside não dá respostas sobre um posto de trabalho no ciberespaço, ou não sabe como legislar uma verdadeira colaboração entre trabalhadores em diferentes cantos do mundo”.

Quem controla a legislação laboral?

Quem fixa os impostos sobre os salários?

Quem deve beneficiar desses impostos?

Este primeiro capítulo foi a descoberta e o enquadramento histórico das fases do

processo. O próximo explica como e porquê o mundo se mantêm assim: um mundo plano.


Correndo ao longo do segundo capítulo, o autor cumpre com a proposta deixada no final do anterior capítulo.

Ou seja, numa parte substancial da obra, cerca cento e cinquenta páginas, realça os acontecimentos marcantes, quer do aspecto político, tecnológico ou financeiro.

Com método analítico quase cientifico, entrelaça a queda do muro de Berlim, mais concretamente o esboroar da ex-URSS e da doutrina que a suportava, com as grandes descobertas cientificas, a especulação financeira e o pensamento dos maiores actores da história envolvidos em todo o processo, que divide em dez grandes temas.

A queda do muro de Berlim é um acto maior nesta trama, é o desbloquear de energias ”reprimidas” e o de uma nova “visão”. “A capacidade de pensar o mundo como um mercado único, um ecossistema único e uma comunidade única”.

Mesmo que o leitor detenha algum conhecimento dos avanços da nova era da “conectividade” ficará deslumbrado pela explicação, quase simplória, dos homens que a tornaram possível, e a sua “arrumação” no processo global.

Faz uma citação magistral de Bill Gates quando comparou a Internet com a corrida ao ouro…”tinha sido “feito” mais dinheiro a vender Levi´s, picaretas, pás e quartos de hotel aos garimpeiros do que com o ouro encontrado”.

“Criar coisas a partir do nada”, estava lançada uma fantástica ideia de criação pura. Tudo se resume a “software” e à sistematização do trabalho, com o inevitável “hardware” que tudo processa, e a incrível rede que tudo interliga a Word Wide Web.

Blogues: só noticias e comentários?

O que é entendido com alguma ligeireza como um simples meio menor de comunicação, é minha convicção pessoal, que brevemente se observará comunidades cristalizando-se em torno dos novos “deuses” da opinião, do conceito, e de agregação.

A informação mais a liberdade de a difundir a todos e de todos receber, a divulgação científica, tudo sem controlo, sem suporte de referência nem filtro possível para as diferentes classes, etárias ou sociais, é um desafio não menos importante com que todos terão que lidar no futuro.

Informação (em sentido lato) de todo o conhecimento, não criará anarquia ao serviço do homem, a auto-regulação será suficiente? Será o mesmo que democracia, liberdade, justiça e equidade para todos?

Fica avisado, é a fórmula com que o autor remata este tema, estou de acordo.

A teoria do segundo comprador, as vantagens desta situação, é a de poder comprar por dez por cento o bem da oportunidade mal avaliada do primeiro comprador, é assim que a Índia teve a sua grande oportunidade, adquiriu uma infra-estrutura de fibras ópticas a um preço super competitivo que lhe permitiu um posicionamento imbatível no futuro.

Com a junção de uma enorme massa cinzenta dos seus universitários, o redireccionar da sua política económica, que anteriormente se orientava pelo poderoso vizinho do norte, a super sorte com os rios de trabalho que a mudança do milénio carreou, estavam lançados os dados da fortuna e do desenvolvimento para este gigante letárgico que é a Índia.


Forcei a lombada do livro de Friedman pela pagina 421 até que a cola que sustém todas as folhas rangesse e permitisse que este se mantivesse aberto sem lhe colocar um peso adicional em cima, significava um arrumar violento de todo um manancial de leitura a revisitar num outro contexto, a densidade dos temas da 2ª, 3ª, 4ª, partes da obra são de leitura obrigatória. Uma simplificação da análise é seguramente contra producente.

Considerei atacar e terminar este trabalho na 5ª parte não abordando a 6ª parte, por esta ser muito intimista, cada um encontrará ai pontos de convergência ou não, são temas de crença e especulação, mais bola de cristal. Com a excepção da confirmada certeza económica e cultural que é a eBay.

Uma conclusão possível consiste em observar que o autor nos leva para um clima de fim de festa, ao fim e ao cabo o maravilhoso mundo novo tornado pequeno e plano não será bem assim. Confessa que sempre teve consciência dessa realidade.

Assim, encaminha-nos numa viagem no comboio fantasma, um desfile de horrores que este mundo ainda é para milhares de milhões de seres humanos e que poderá alastrar para muitos mais.

Uma conclusão brilhante, a de que ser classe média é mais um estado de espírito do que uma realidade económica.

O que divide as classes para o autor, é estas terem esperança ou não, é uma linha muito importante que suporta parte do seu raciocínio, mas também certezas e convicções.

A certeza de que para muitos milhões de Indianos os únicos ratos que verão na vida são os da natureza e nunca os que se encontram ao lado do computador, não lhe permite devaneios filosóficos ou revisitar as profecias de Marx de um mundo sem classes.

A filantropia dos arquimilionários é a outra face da mesma moeda, sem ela ninguém se ocuparia dos três mil milhões sem esperança, os que nunca entrarão no ciclo da criação da riqueza e bem-estar.

Uma dimensão importante é a que situa os que se encontra entre um mundo não plano e um mundo plano, uma quinta dimensão entre ambos, são os sem poder, os que nunca acederão a uma justa fatia do bolo.

Como nos Globalizámos, ou até que ponto nos Globalizamos, são abordagens de trabalho do autor. As multinacionais ao serviço do povo, depois do lucro máximo, querem salvar o outro mundo, o dos que não podem pagar, mas mesmo assim, saber o que ainda se pode fazer pagar aos governos colocados entre a espada da tecnologia e o muro do progresso e do desenvolvimento.

Que as multinacionais não são ONG`s todo o mundo já sabe.

domingo, 20 de janeiro de 2008

EXTREMA POBREZA

O maior e mais dramático buraco negro da humanidade é constituído pela fome extrema, pela violência selvática e desnecessária sobre seres frágeis, crianças, mulheres e velhos, miseráveis e indigentes, é a pobreza absoluta de tudo: habitação, alimentação, educação, saúde, segurança, esperança, etc.

Deveria existir em cada um de nós uma miniatura do buraco negro, feito de impotência, de raiva, um revirar de tripas individual e não transmissível. Como um nojo profundo e constante, que forçasse a cairmos na realidade e na dimensão concreta da tragédia em que se encontra o nosso semelhante.

Existem soluções? Afirmam que sim. Nas Nações Unidas, Kofi Annan em Setembro do ano 2000 fazia aprovar a Declaração do Milénio, como o objectivo mais importante das Nações Unidas para o futuro, e tendo por meta 2015, ou seja, um horizonte temporal significativo, para o mundo reduzir a metade a pobreza extrema, as doenças e a fome nos países mais pobres do mundo.

Quando faltam apenas 7 anos, os resultados são muito escassos, terrivelmente mínimos, ainda mais dramáticos ao constatarmos que os ligeiros progressos de uma zona do mundo foram anulados pelo agravamento em outro continente.

Não saímos de sítio nenhum.

As vítimas são mais horríveis, as feridas estão mais presentes, a miséria é mais violenta e mais brutal, a imaginação humana não pode justificar um mundo de super abundância e desperdício convivendo pacificamente como a miséria extrema.

Há muita falta de empenho político, observa-se em cada dia que passa que os problemas ganham novas dimensões, ora são os conflitos entre Estados ou entre etnias, ora as implicações extravasam as soberanias locais e ganham dimensão global.

Arrastam sempre correntes humanas de deslocados, velhos, mulheres, crianças,

desnutridos, errantes e perseguidos.

Violados todos os direitos humanos até se atingirem os limites do insuportável, aí, e só aí chegados, as Organizações Internacionais minimizam o sofrimento e apaziguam as nossas boas consciências ocidentais.

Jeffrey Sachs foi nomeado Director do Projecto de Desenvolvimento do Milénio

por Kofi Annan para enfrentar os desafios do nosso mundo profundamente dividido.

Com a nomeação de uma equipa de 250 especialistas em desenvolvimento e uma estratégia clara para erradicar a pobreza extrema do planeta, cinco anos depois declarava ser possível e pela primeira vez na história ir mais além e erradicar definitivamente a pobreza extrema no mundo nos próximos 20 anos.

No seu livro, O Fim da Pobreza: Economic Possibilities For Our Time, explora as raízes da prosperidade económica e oferece sugestões para encontrar o caminho, a fim de retirar da pobreza extrema os cidadãos mais pobres do mundo.

Enfatiza uma certeza, morrem milhões de pessoas todos os anos, porque são demasiado pobres para se manterem vivas e questiona como é possível conhecer esta realidade e não se agir.

Assim propõe a leitura de um resumo com setenta páginas, onde se pode retirar as propostas fundamentais dos duzentos e cinquenta especialistas de todo o mundo que elaboraram os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio da ONU e o Millenium Project, uma obra com 2700 páginas em catorze volumes, que oferece ao mundo uma visão concreta do que é possível e desejável realizar.

Um alerta, se não se ajudar a salvar as pessoas que querem sobre tudo permanecer vivas, o mundo vai ser mais inseguro, instável e infeliz. É emocionante, para si, constatar que em qualquer aldeia por mais pobre que seja, o povo sabe a realidade da vida e tem um enorme sentido do que deve ser feito, falta uma ajuda, e essa é a nossa parte da questão, contribuir é justo e indispensável.

O quadro é negro, existem cerca de mil milhões de pessoas no mundo que não têm as necessidades básicas satisfeitas, vivem em subnutrição crónica e sem acesso a qualquer tipo de cuidados de saúde.

Era esta a realidade da humanidade há duzentos anos, todos estavam em situação de extrema pobreza, a vida era curta, as epidemias eram cíclicas e a fome constante, assim na Europa como em qualquer parte do mundo. Para nós tudo mudou.

A solução para a pobreza extrema não é o mercado, este está instruído para a ignorar, portanto, só fora do mercado é possível encontrar a solução para agir.

São três as realidades do empobrecimento: insuficiente produção alimentar, insuficiente controlo das doenças e o isolamento económico.

Cuidar da sobrevivência com os factores de produção restabelecidos, após esta fase, financiamento das pequenas actividade com o desejável micro crédito, cuidados de saúde e planeamento demográfico. Manter a paz é impossível em populações famintas, é este o programa para o alvo mais crítico, o continente africano.

Mudar mentalidades dentro da própria ONU, convencer de que não é despejando biliões nos problemas que estes se resolvem, impôr um plano prático de soluções é possível, implementar e sustentar o desenvolvimento é prioritário.