sexta-feira, 21 de maio de 2010

Adormeci duas vezes a meio

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Li a entrevista que António José Seguro deu ao semanário "Expresso", na qual se declara pronto para ser o próximo secretário-geral do PS. Adormeci duas vezes a meio. Deve ter sido por estar num avião, em cima do Atlântico, a caminho de São Paulo. Ou não. As fotos são banais, o texto é entediante. O panegírico pretende-se como apresentação do homem que concretizará o pós-Sócrates que tantos desejam. Mas o género laudatório decepciona. Seguro não tem nada para contar. A vida é um deserto. As ideias têm rugas.

Filho da fábrica partidária, nasceu na JS, foi premiado com um lugar inócuo num governo, fez-se deputado. Não se lhe conhece um único contributo original, uma ideia nova, uma boa prestação numa empresa ou instituição. Em boa verdade, nunca trabalhou ou realizou algo profissionalmente relevante. Sempre viveu do partido e para o partido. Um género dos tempos. Deplorável.

Os anos foram-se consumindo em posições oportunas e oportunismos, em pequenos golpes e falsos conflitos, nessa trama gelatinosa de que se faz tanta da vida partidária. Um ou outro projeto lei, uma eleição aqui, uma conferência acolá. Nada de realmente importante. Tudo sempre muito ampliado pelos apaniguados e pelos que imaginam que à sua boleia irão conseguir qualquer coisa, um cargo, uma benesse, um pequeno nome. Por isso, quando na entrevista se pede que Seguro fale da sua vida, das aventuras, de algum momento marcante, não há nada para contar. Só uma total ausência de vida e de mundo.

Apesar disso, ou melhor dito, por isso mesmo, chegado aqui e já a rondar os 50, Seguro acha que está pronto para ser chefe. Não está. A entrevista é muito chata, mas pelo menos esclarecedora nesse ponto. Seguro não tem uma visão original sobre nenhum assunto. Limita-se a repetir lugares comuns. Para mais é um desânimo total, não entusiasma ninguém.

Sobre Portugal diz o que toda a gente diz, temos de crescer, reduzir o défice, gastar menos e melhor. Mas não revela como. Sobre o mundo nada diz. As poucas ideias que conseguem chegar, muito a custo, a letra de imprensa são velhas. Acena constantemente com a defesa dos pobres, tema piedoso e populista. Mas não tem nenhuma palavra motivadora para quem quer andar para a frente. Para os que sempre dão o seu melhor, nos bons momentos e nas crises.

Imaginando-se de esquerda, insiste nessa ideia de divisão social assente exclusivamente no rendimento. Ora hoje, para além deste, é a acessibilidade tecnológica que mais conta para uma alteração positiva das condições de vida.

E não falta, claro está, o apelo ao regresso dos grandes valores, dos grandes princípios, das grandes batalhas gloriosas. O que é natural, pois o vazio preenche-se invariavelmente com eloquência vã.

Quanto ao resto, nem uma palavra sobre a revolução tecnológica em curso, ou sobre o enorme salto que Portugal deu na última década neste domínio. Ao que parece já usa a Internet, mas só para se promover, nada mais. Nem uma palavra sobre as novas condições existenciais de todos nós, no contexto da Europa e da globalização. Nem uma palavra ainda sobre a necessidade de novas ideias e novas posturas políticas face à complexidade da atualidade, em tempo de poderosos meios de comunicação, da sociedade em rede e de imperiosa necessidade de criatividade e inovação. Nada de nada.

Enfim, Seguro é uma nulidade e não mereceria mais do que dó. Mas é também um perigo. Desde logo para o próprio PS que não é assunto meu. Sendo certo que uma vez terminado o ciclo de Sócrates a algazarra tomará conta do partido, à semelhança do que sucedeu no PSD, qualquer um tem a sua oportunidade. Até o porteiro do largo do Rato. Acontece, e isso já me interessa, que a escolha de Seguro não seria só um mau momento para o PS, mas um enorme atraso para o País.

Portugal já tem que chegue de conservadores e reacionários. De momento a única força política que tem visão de futuro, vontade e energia para fazer Portugal avançar, mesmo com todas as contrariedades, encontra-se no governo do PS. Se isso também terminar a depressão será total.
Por isso este meu artigo sobre um ser menor, não deriva de uma irritação extemporânea provocada pelo jet lag. Mas da convicção de que é fundamental que pelo menos um dos grandes partidos políticos se mantenha como motor de modernidade e avanço civilizacional. Como diz um amigo meu brasileiro: não temos tempo para a depressão.
Leonel Moura
Sexta, 21 Maio 2010


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