domingo, 21 de fevereiro de 2010

Carta Aberta a José Sócrates

Caro Camarada
Secretário-geral do Partido Socialista
Lisboa, Fevereiro de 2010



Os Líderes em política são forjados nas contingências. Os tempos que se avizinham não permitem estados de alma, porque ou se constrói uma alternativa onde democraticamente a vontade colectiva impere, ou se abdica, confundindo-a com aquela aparente vontade de todos, onde apenas se confrontam os apetites dos interesses egoístas, mesmo abrindo um possível caminho para a aventura de eventuais cesarismos autoritários reforçados e legitimados em eleições, pelo qual seremos também julgados.

Se há um buraco de fechadura este deve ser bem largo na medida justa dos anos que levo a clamar para que haja decoro à verdadeira medida dos homens do Estado-Razão e não de mera razão de Estado de triste memória.
Vejamos o que tentei dizer-te há mais de dois anos, o mal já estava feito e pouco importa agora saber até que ponto és vitima, o PAÍS dos homens concretos já não te suporta nem ao sectarismo que ronda e de que deixaste rodear-te, a culpa é unicamente tua? Sim, só eu e milhões de portugueses não sabiam nem sabemos até onde queremos levar este povo. Veladamente se afirma o que eu já antevera, na altura era um aviso que pretendia dramático, hoje creio seriamente que é uma questão de tempo. Vais acabar mal, é mais do que certo, não sabemos até onde podes arrastar contigo a própria pátria. Basta, não queiras ficar como o único e último aprendiz de feiticeiro que a liberdade de Abril gerou.
Estávamos então na última semana do mês de Novembro de 2008, a maioria socialista aprovou o orçamento do Estado para 2009.
Foi o terceiro orçamento aprovado somente pela maioria socialista, repetindo-se o cenário dos últimos três anos, com a oposição unida no voto de rejeição.
Possivelmente, em tempos normais de pluralismo democrático, não existiria dramatismo algum por tal circunstância, mas, dado que o país e o mundo se deparam com um gravíssimo problema, de contornos ainda não previsíveis, (Novembro de 2008) além dos ditos normais da governação, seria avisado e de bom senso criar, no mínimo, um clima de apaziguamento na sociedade e nas opções políticas no Governo da Nação.
É este o estilo do actual PS (Novembro de 2008) e continua na forma do costume, sobre a batuta do actual Secretário-Geral: despachar as oposições, políticas e sociais, como quem termina o expediente do dia.
Qualquer militante com alguns anos de partido recordará, no mínimo, que os dois últimos Secretários-Gerais, por razões diversas, abandonaram o partido e o país.
É uma triste sina, de facto, só falta saber o que te levará daqui para fora, a LEI ou a tua consciência. É meu dever ser claro, não por dívida para contigo ou a alguém mais do que à minha consciência.
Faço votos de que não sejas varrido da mesma forma que os socialistas italianos, fugidos à justiça. É sempre reconfortante rever os esclarecidos ensinamentos de Norberto Bobbio (1909-2004) socialista italiano, que recomendava não considerar os adversários como inimigos, mas como perspectivas diversas de serviço comunitário, onde há sempre lugares comuns para o diálogo
Bettino Craxi de seu nome, tinha outra agenda a cumprir, como mais tarde todo o mundo soube, paz à sua alma. E à do Partido Socialista italiano e à do seu irmão-inimigo da democracia-cristã, também.
A solução em democracia, se ela é verdadeira, existe. Consiste em eleições, um meio para os indivíduos se livrarem de políticos e políticas ineficientes. Aquilo que Karl Popper considerava como a possibilidade de um golpe de Estado sem derramamento de sangue e sem violência.
É, em princípio, uma razão para não se desesperar, e é razoável esperar que numa democracia adulta os fracassos do Governo possam ser expostos e eliminados.
Os órgãos de comunicação, com honrosas excepções, como é clássico, têm a sua própria “agenda”, em regra “cheiram” o sangue ou de onde lhes vem a conveniente sobrevivência. As ditaduras eram igualmente eficazes em tais domínios, aí já estamos em paridade política.
A conquista do poder e a sua manutenção já só provocam apatia e desinteresse nas pessoas, dado que as diferenças na acção governativa, por todos os partidos, são incompreensíveis para a grande maioria dos cidadãos, não esperando benefícios pessoais pela eventual preferência por qualquer candidato, como se verá.
Cuidado com o voto de erro de “casting”. Este existe para castigar.
Assim, os altos níveis da abstenção nos recentes actos eleitorais revelam que a democracia está fragilizada e que o Estado se encontra longe das aspirações dos cidadãos. É um atentado à democracia se preferirmos uma democracia sem povo.
Uma verdadeira democracia significa mais do que um simples direito de eleger e ser representado por um político eleito, deve existir o direito de não sermos penalizados por acções arbitrárias, caprichosas, ou birrentas de políticos e políticas burocráticas, que no fundo replicam o chefe.
A verdadeira democracia inclui a verdadeira liberdade de criticar os políticos burocratas e as políticas de privilégios, sem intimidação ou outros constrangimentos.
Como podes ver até se repete o texto e o contexto, só há algo que não sabes nem podes iludir o povo, não fabricas dinheiro e esse facto tão banal vai virar todos contra ti, o povo é cruel, sem música não há festa, e a tua festa acabou.
Tecnicamente é possível uma saída de cena digna e constitucional, artigo 195 alínea b) A aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro. Constituição da República Portuguesa. Para o bem do país e daqueles que dignamente e convictamente ainda acreditam na tua boa fé.


Armando Ramalho

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