sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

I. José Sócrates arruinou aquilo que restava da III República

I. José Sócrates arruinou aquilo que restava da III República. Hoje, vivemos num regime onde a mentira passou a ser a normalidade. José Sócrates vai cair. Amanhã ou para o ano, mas vai cair. Portanto, a tarefa principal começa a ser a refundação de um regime político que está completamente de rastos. O período pós-Sócrates tem de ser o período da refundação, da Regeneração.

II. E a tarefa da refundação deve começar por aqui: temos de acabar com a promiscuidade entre política e negócios. É preciso acabar com as golden share (na PT, na Galp, etc.). É preciso acabar com este capitalismo chico-esperto, que junta o pior do socialismo com o pior do capitalismo chinês. As golden share não protegem os interesses nacionais. Protegem, isso sim, os interesses dos comissários políticos (do PS e do PSD). Depois, temos de privatizar as empresas que ainda estão no Estado. Para terminar, faço uma pergunta: para que servem as tais "empresas municipais"?

III. A questão é muito simples: se queremos diminuir a intensidade da corrupção, então, temos de privatizar essas empresas públicas ou semi-públicas, as esquinas onde os corruptos gostam de cochichar. E, como se vê, estas privatizações não devem obedecer a critérios económicos, mas sim a critérios de ética política: sem estas empresas no rol do Estado, os senhores dos partidos ficam sem os lugares onde é possível meter a política e os negócios na mesma cama.

IV. E há mais para fazer .

O regime morreu. A III República portuguesa está morta. Ainda ninguém levantou o corpo, porque as certidões de óbito - em política - demoram a chegar. E, neste caso, estamos a falar de três certidões, ou seja, vivemos num regime que morreu três vezes.

A primeira morte é económica. O modelo socialista/social-democrata/democrata-cristão, centrado na caridade do Estado e na subalternização do indivíduo, está falido, e brinda-nos com recessões de quatro em quatro anos. Basta ler "O Dever da Verdade" (Dom Quixote), de Medina Carreira e Ricardo Costa, para percebermos que o nosso Estado é, na verdade, a nossa forca. Através das prestações sociais e das despesas com pessoal, o Estado consome aquilo que a sociedade produz. Estas despesas, alimentadas pela teatralidade dos 'direitos adquiridos', estão a afundar Portugal. Eu sei que esta verdade é um sapo ideológico que a maioria dos portugueses recusa engolir. Mas, mais cedo ou mais tarde, o país vai perceber que os 'direitos adquiridos' constituem um terço dos pregos do caixão da III República.

A segunda morte é institucional. Como já aqui escrevi várias vezes, Portugal não tem um regime político com freios e contrapesos. O partido da maioria, seja ele qual for, controla todas as instituições do regime; vivemos numa espécie de 'ditadura conjuntural' do partido da maioria. Por outro lado, Portugal é um Estado de direito falhado: a nossa Justiça é um embaraço confrangedor. A geração que está no poder construiu a democracia. Cabe à minha geração edificar o Estado de direito.

A terceira morte é partidária. O nosso sistema partidário tem a vitalidade de um
DE UM ZOMBIE pois não responde às necessidades da sociedade. Porquê? Ora, porque os partidos portugueses representam os interesses do Estado e não os interesses da sociedade. Portugal precisa de reformas que emagreçam o Estado, mas os partidos são os primeiros a recusar essas reformas. É natural: o emagrecimento do Estado significaria o fim de milhares e milhares de empregos para os BOYS.
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A necessária dieta estatal passaria, por exemplo, pela reforma do mapa autárquico. A actual arquitectura do poder local assenta em pilares arcaicos. Em 2009, é simplesmente ridículo vermos o país dividido em 4251 freguesias e 308 municípios. Como é que um país tão pequeno está esquartejado desta forma? Esta situação chega a ser caricata, mas os partidos nunca executarão mudanças no mapa autárquico. É fácil perceber porquê: com menos câmaras e freguesias, as matilhas de caciques seriam obrigadas a sair do quentinho partidário e a procurar trabalho no frio da vida real. Enfim, a III República está bloqueada. Os actores que deveriam ser as alavancas legítimas das reformas - os partidos - são os primeiros a dizer 'não' às ditas reformas.

Para esconder as três mortes do regime, os partidos inventaram um mecanismo de defesa: o folclore fracturante. A actual conversa sobre o casamento GAY é só mais uma forma de adiar a chegada do médico legista da III República, o regime que morreu três vezes.

IN EXPRESSO HENRIQUE RAPOSO

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